quinta-feira, 18 de novembro de 2010

É de Direito #10

Novos Rumos para o Judiciário em Pernambuco

No exercício da judicatura há quase 30 anos e ex-presidente da Associação dos Magistrados de Pernambuco (AMEPE), o desembargador José Fernandes de Lemos tem enfrentado desafios na presidência do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, cargo que ocupa desde o dia 10 de fevereiro de 2010. José Fernandes é considerado um juiz rigoroso, determinado e comprometido com a qualidade da prestação jurisdicional. Nas sessões e nos corredores do TJPE, defende medidas como o funcionamento do foro em dois turnos e a mudança do sistema de ponto para os funcionários do Judiciário.

Nesta entrevista à Revista Advocatus, concedida no dia 3 de setembro de 2010, em seu gabinete, José Fernandes de Lemos diz que pretende realizar novo concurso para juiz de direito, aponta as dificuldades burocráticas que está enfrentando para transferir a sede do TJPE para o bairro da Ilha Joana Bezerra, revela detalhes da ideia de abrigar os juizados especiais do Recife em um único prédio, no bairro da Imbiribeira, e fala com abertura e franqueza sobre temas como a relação dos juízes com os advogados e o lobby, tema polêmico na advocacia.

REVISTA ADVOCATUS - Os fóruns em Pernambuco não têm um horário único de funcionamento. Dentro da própria Região Metropolitana do Recife (RMR) há fóruns com horários diferentes. Essa não é uma situação prejudicial aos advogados e ao público?

JOSÉ FERNANDES DE LEMOS - Os horários hoje não são unificados. Eles se adaptam segundo a conveniência da cidade, de cada município. É difícil fazer essa implantação de um horário único exatamente por isso. Porque há municípios que têm uma vocação de funcionamento pela manhã, porque ali já funciona a feira, o horário bancário é pela manhã e quando se transfere o expediente para tarde gera-se um impacto muito grande perante a comunidade e os próprios integrantes da OAB de cada município, eles mesmos questionam muito isso.

RA - Existe alguma possibilidade de amplicação do horário de funcionamento do foro, para dois turnos, por exemplo?
JF - Esse é um projeto meu e já venho trabalhando nele há alguns anos. As propostas que eu apresentei para elevação do horário de funcionamento para 8 horas, eu perdi na Corte por três votos. Eu continuo lutando por essa proposta, mas sempre lembrando que ela encontra uma resistência muito grande dentro da instituição.

RA - Em relação aos juizados especiais, eles foram criados para acelerar um pouco a tramitação dos processos. Porém, há audiências hoje sendo marcados para 2011, e a população e os advogados sabem da questão da morosidade da própria justiça. Há algo que possa ser feito para mudar esse quadro?
JF - Os juizados, hoje, estão pagando o preço do sucesso que eles tiveram anteriormente. Como o sucesso foi muito grande, houve uma convergência, uma duplicidade, um aumento considerado das demandas perante os juizados e eles não estavam, portanto, estruturados para esse excesso de demanda. O que nós estamos fazendo é ampliar e está dentro do meu projeto centralizar todos os juizados em um prédio da avenida Mascarenhas de Moraes, no bairro da Imbiribeira, o que vai facilitar a atuação jurisdicional dos defensores públicos, dos advogados e também o próprio funcionamento da justiça.

RA - O senhor acredita que isso vai acelerar os processos?
JF - Isso acelera porque muitas audiências são adiadas porque o defensor não pode comparecer, por exemplo. Eu quero dizer o seguinte, o defensor que está ali em Casa Amarela não pode fazer uma audiência e se deslocar para outro ponto com cinco quilômetros de distância. Então a centralização, embora em princípio possa parecer prejudicial ao jurisdicionado é benéfica. Porque ali estaria toda a estrutura do Poder Judiciário.

RA - Existe prazo para inauguração desse prédio?
JF - Desde fevereiro deste ano nós lutamos para alugar um prédio. Agora, o que ocorre é que na administração tudo é muito difícil, esse processo de locação sempre encontra dificuldades. Basta um dos proprietários do imóvel ter qualquer dívida perante o Fisco que já não se pode contratar. Foram inúmeras as vezes que nós tentamos fazer locações e não pudemos realizar. Somente agora que encontramos esse prédio na Imbiribeira, que é um prédio que permite acomodar todos os juizados especiais cíveis e das relações de consumo, os futuros juizados da fazenda e os colégios recursais cíveis e o criminal, numa boa localização, com bom estacionamento, é que nós estamos vencendo algumas dificuldades para fazer essa locação.

RA - Há, também, a questão do ponto eletrônico nos fóruns. Há alguma possibilidade de essa medida ser implementada? Por exemplo, nesse prédio onde vão funcionar todos os juizados, a implantação dessa medida seria facilitada.
JF - Essa questão do ponto eletrônico, seja por meio biométrico ou através das impressões digitais, nós observamos que não é fácil de implantar. Porque não é fácil mudar uma cultura de anos em que não se tem com rigor uma fiscalização. E quando se quer impor algo dessa ordem, encontra-se uma resistência muito grande. Há casos em que até alguns aparelhos que tomam o registro desses pontos já foram danificados.

RA - Então o senhor acha essa medida difícil de implementar?
JF - Difícil, mas não impossível. E eu não abro mão dela.

RA - É uma de suas metas?
JF - Está dentro de minhas metas. Agora, fazer através de outras vertentes como catracas eletrônicas, porque na prática observou-se que com o ponto biométrico é fácil de fazer a burla.

RA - Esse prédio novo da central dos juizados pode ser um projeto-piloto para isso?
JF - Ele vai começar com esse projeto-piloto. Eu diria que o nosso projeto é instalar a centralização dos juizados, todos eles já na forma virtual com o processo eletrônico.

RA - Agora, falando um pouco na carência de magistrados no Estado, há cargos vagos? Há possibilidades de novos concursos para juízes em Pernambuco?
JF - O Judiciário se encontrava com um edital travado, aguardando a autorização do Conselho Nacional de Justiça há mais de um ano. Somente agora, alguns dias passados, é que nós tivemos a liberação desse edital. E possivelmente até o final do ano o concurso terá início, para prover essas vagas que hoje eu acredito que estão em torno de 70.

RA - E há previsão de quando será realizado o concurso? E se o chamamento é imediato?
JF - Nós conseguimos uma grande vitória, que é transferir a realização de todas as fases desse concurso para a Fundação Carlos Chagas, evitando que ele fosse feito por pessoas daqui da estrutura, o que gera, na maioria das vezes, muita polêmica. Eu acredito que tenha sido um grande avanço e, por essa nova sistemática, é possível saber o dia que ele termina e quando poderá ser, com razoável segurança, a data da nomeação dos magistrados.

RA - O concurso acontecerá este ano ainda ou só em 2011?
JF - Eu estou lutando para ele acontecer ainda este ano, porque a publicação do edital, possivelmente, eu farei neste mês de setembro.

RA - Em relação aos novos magistrados que devem ingressar no Judiciário pernambucano, qual a sua expectativa? O que se sente é que, hoje, há profissionais que buscam ser juízes por vocação e outros pelos atrativos financeiros. Que cenário o senhor imagina para essas pessoas que querem entrar, e entram, na carreira?
JF - Essa é uma resposta que é difícil de dizer. Nós temos, hoje, um formato de concurso com uma prova dessas em que exige quase que exclusivamente a capacitação. A situação dessa pergunta que você está me fazendo na prática ocorre. Pessoas que veem a magistratura muito mais pelo atrativo financeiro, e não pela vocação. Isso se demonstra nos anos de início da magistratura, vai-se tendo essas observações. Hoje, eu estou esperando que o exame psicotécnico seja capaz de detectar pessoas que, embora tenham grande capacidade intelectual, não tenham capacidade emocional para exercer a magistratura. Essa é uma preocupação, particularmente, minha.

RA - Em relação aos horários de trabalhos dos juízes, existe alguma fiscalização, ou vai existir alguma fiscalização mais efetiva?
JF - Há atualmente uma grande dificuldade exatamente dessa fiscalização, sobretudo quando o Conselho Nacional de Justiça diz, hoje, que o magistrado tem um expediente mais livre, que ele possa fazer o expediente dele. Mas a Lei Orgânica da Magistratura exige que o magistrado rigorosamente compareça ao expediente. E nós estamos desenvolvendo um trabalho junto à Corregedoria de Justiça para ver se conseguimos melhorar esse quadro de ausência de magistrados.

RA - Há, atualmente, uma avaliação de desempenho dos desembargadores, dos juízes, onda há uma preocupação com a quantidade de processos julgados. Como o senhor vê essa preocupação do Judiciário com as estatísticas versus a análise qualitativa desse material?
JF - Nós temos que desenvolver a nossa gestão de modo a desburocratizar, minimizar tudo isso que cause entraves à realização da justiça. Quando você tem uma análise quantitativa muito elevada, tem alguma probabilidade de haver, do ponto de vista qualitativo, alguma diminuição. O que a gente pede, hoje, aos magistrados é que eles evitem fazer doutrina na sentença, que eles reservem esses trabalhos doutrinários para publicação de um livro e redijam a sentença somente para dirimir aquele conflito que foi levado a julgamento.

RA - Mas eles têm uma avaliação de desempenho pela quantidade. Alguns advogados reclamam, já que a preocupação dos juízes tem sido em relação à quantidade.
JF - Eu teria preocupação com essa baixa qualidade se houvesse um número elevado de reformas das decisões e sentenças. Como esses recursos que são levados aos tribunais demonstram, na maioria das vezes, que em uma quantidade significativa essas sentenças são mantidas, então eu acho que não há por que ter questionamento quanto a esse aspecto qualitativo.

RA - A população tem assistido a um movimento de punição de juízes que cometem irregularidades. Isso era pouco visto. Em Pernambuco, o TJ também tem apurado fatos e está punindo situações verificadas como relevantes e faltosas. Esse movimento se deve a quê?
JF - Eu acho que houve uma mudança substancial em toda a estrutura do Poder Judiciário no Brasil, nos últimos 10 anos. Pernambuco não ficou ao largo disso. É verdade que alguns anos atrás era muito difícil punir um magistrado, mas o que eu posso dizer nos dias hoje é que essa cultura mudou completamente. Nós temos o exemplo em Pernambuco de magistrados que foram afastados e já estão exonerados. Que a Corte do Tribunal de Justiça, após assegurar toda a ampla defesa, todo o contraditório, afastou alguns magistrados que não tinham conduta digna com exercício da magistratura.

RA - Há um caso de 2009 em que um juiz de uma comarca do interior deu uma ordem de prisão para advogados, chamou a polícia, houve uma discussão por conta dos autos. E a OAB entendeu que o advogado foi preso indevidamente. Essa conversa teria sido gravada e o juiz foi processado criminalmente pelo advogado. O juiz transacionou na esfera penal, o que pode ser interpretado como uma admissão tácita de culpa. Mas o TJ arquivou o processo. O senhor tem conhecimento desse episódio?
JF - Nesse episódio eu era Corregedor de Justiça e instaurei portaria assegurando para o juiz o prazo para defesa, mas não cheguei a decidir pelo arquivamento. Terminou meu mandato na Corregedoria e eu acabei vindo para o Tribunal, assumindo a Presidência, mas eu tenho conhecimento desse episódio. De qualquer sorte, é importante registrar que, de acordo com a sistemática da Lei 9.099/95, a transação penal não importa admissão ou reconhecimento de culpa.

RA - No geral, como o senhor vê essa relação dos advogados com os magistrados? Como senhor avaliar isso hoje?
JF - Hoje, como sempre, desde que exerço a judicatura - eu estou na magistratura há 30 anos -, nunca tive qualquer problema com qualquer promotor ou com qualquer magistrado. Eu tenho um excelente relacionamento com magistrados e promotores. Eu acho que, no contexto geral, há um bom relacionamento dos juízes e advogados.

RA - Ainda falando das questões dos processos, há algum plano de ampliação no número de desembargadores aqui no Tribunal?
JF - O concurso visa aumentar o número de magistrados. Agora eu, nesse momento, não vejo necessidade do aumento no Tribunal. O que nós precisamos no Tribunal possivelmente é procurar, cada um onde é possível, quebrar paradigmas antigos de modo a tornar os julgamentos mais céleres. O que precisamos, hoje, é diminuir muito a discussão e se chegar a um resultado final mais rápido. Isso seria um caminho em que poderíamos chegar a um Tribunal com a mesma composição que nós temos hoje com resultados maiores em termos quantitativos.

RA - Está sendo feito algum trabalho para esse aumento de varas? Algum estudo está sendo feito, esse prédio que será construído vai contribuir para isso?
JF - A organização judiciária criou várias varas. Elas não foram ainda instaladas, porque ainda falta o elemento principal que é o juiz. Somente após esse concurso é que eu poderei fazer a instalação de várias varas, inclusive no interior do Estado.

RA - Ainda falando sobre a relação dos juízes e advogados, muitos advogados reclamam de uma certa pressão junto aos tribunais no Brasil inteiro e até falam da atuação de lobistas junto ao Judiciário. Como vê essa questão?
JF - Isso é uma questão antiga, não é nova. Efetivamente existe. No entanto, há situações em que se interpreta que o advogado que comparece para pedir a agilização do seu processo estaria exercendo esse trabalho. Agora, eu posso dar esse testemunho, eu nunca tive qualquer influência para decidir em função dessa procura, dessa insistência, de pedidos de advogados. E, eu digo, é natural, o advogado deve trabalhar assim mesmo, procurando que o caso seja julgado com a maior brevidade possível. Isso faz parte do trabalho do advogado, de modo que esse comportamento eu não vejo como um lobby no sentido de influenciar na decisão. Eu vejo isso por uma ótica de agilizar o julgamento, é assim que vejo.

RA - Quais são suas metas, a partir de agora?
JF - Eu tenho um exemplo muito grande da Corregedoria. Quando fui da Corregedoria eu elegi 70 metas para cumprir. Com seis meses de mandato eu reduzi para 50. Com mais cinco meses eu reduzi essas metas todas para 20. E terminei meu mandato muito agradecido, com o cumprimento de quatro. Porque vi que não era fácil fazer tudo aquilo, com o excesso de burocracia para tudo. Passei na Corregedoria dois anos e nunca consegui inaugurar um galpão para fazer um estacionamento para os magistrados que trabalham aqui no centro da cidade. Porque tudo que se vai fazer é um excesso de burocracia. Por exemplo, a construção das torres que serão a nova sede do Tribunal, estamos desde fevereiro lutando para aprovar o projeto de lei que libera a nossa licença de construção. Então muita coisa a gente elege e esbarra nesse tipo de dificuldade. De modo que, agora na Presidência, eu cheguei mais cauteloso. Cauteloso no sentido de diminuir o número desses projetos, mas executar aqueles que eu eleger e me segurar naqueles em que serei vitorioso. Então desses projetos que eu elenquei, estou preferindo centrar forças em três ou quatro programas, a fazer um projeto mais amplo e não ter como executar. Nós estamos com 42 fóruns para construir e para construir um fórum é a luta que passa pela compra do terreno até a conclusão do processo licitatório. É uma etapa muito árdua.

RA - Pode elencar que programas objetivamente são esses que o senhor elegeu?
JF - O programa do processo eletrônico; a construção de alguns fóruns em algumas cidades que estão em situação precária é também uma meta que eu não abrirei mão. A desburocratização do Tribunal no sentido de se mitigar, de se minimizar, de se tornar mais simples vários procedimentos administrativos que nós temos, nós estamos buscando a simplificação desses procedimentos. A publicação de um acórdão que antes levava seis meses, nós conseguimos que ele seja publicado até um dia após a audiência. Então, são esses avanços pequenos que se pode observar em um procedimento aqui, outro ali, que no conjunto vão representar uma grande melhora. Livros de acórdãos que eram feitos, nós suprimimos esses livros. Foi uma decisão que nós tomamos para que o acórdão fosse feito de forma eletrônica, ou seja, ele é feito de uma forma mais rápida, mais segura, sem essa demanda de muito trabalho humano.

RA - Então o senhor tem muito trabalho pela frente.
JF - Eu chego ao Tribunal às 9 horas e nunca saio antes das 21h, passo o dia ocupado com essas mil coisas. A cada momento é uma matéria diferente. Agora estou dando essa entrevista, daqui a 20 minutos vou tratar do orçamento do Tribunal, daqui a uma hora vou tratar do Fórum de Cortês, à tarde vou tratar do julgamento da Corte e é assim... O dia todo ocupado com as coisas mais variadas.

RA - Esse exemplo que o senhor citou do Fórum de Cortês diz respeito aos fóruns que foram devastados com as chuvas, com as enxurradas. Como está sendo essa recuperação?
JF - Eu diria que o Governo do Estado me surpreendeu, porque depois do episódio, eu consegui as verbas dentro de 48 horas. Dentro de 30 anos de judicatura eu nunca vi isso. E não obstante já tenha decorrido 60 dias eu não consegui ainda dar início à construção - e já com o dinheiro -, pelo excesso de burocracia que nós temos.

RA - O senhor está tentando agilizar isso...
JF - É o excesso de burocracia que estou lhe dizendo. Numa licitação, qualquer coisa é um impasse e tem que se fazer de novo. É uma dificuldade extrema. Só quem está dentro da administração sabe como é difícil se executar uma obra dessa.

Fonte: Revista Advocatus - Pernambuco - Ano 3, Novembro 2010, Número 5, p. 7-10

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